top of page
Buscar

As Leis de Acesso à Informação em perspectiva histórica

  • tnicodemo
  • 22 de dez. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 18 de jan. de 2023

Um retrospecto das origens do direito à transparência e à informação nos Estados modernos.

Eduard von Grützner, Stadtarchiv in Tirol. Fonte: Wikimedia Commons.


O artigo 15o da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) indicava que “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração”. A ideia advinha da concepção do Estado como resultante de um “contrato social” com os cidadãos, que cedem o seu poder formando então um corpo político compromissado com o bem comum.

Não era comum entender que o Estado devesse prestar contas ao cidadão sobre suas atividades ou contas públicas. As cartas e ofícios hoje contidos no Fundo da Secretaria de Governo, no Arquivo Público do Estado de São Paulo, mostram as pessoas, desde o século XVI, pedindo coisas do Estado como títulos de nobreza, concessões de terras, mediação de conflitos dentre tantas outras ações. Mas aqui a lógica que hoje tomamos como normal não procede: o Estado não deve nada ao cidadão, ele pode atender o indivíduo caso considere pertinente. Com a institucionalização de uma soberania moderna em que “o poder emana do povo” formando o corpo político, o cidadão passa então a ter diretos, sendo um deles, demandar do Estado a prestação de contas.

A verdade é que demorou muito para que tivéssemos de fato uma história da transparência ou do acesso à informação em escala global. Apenas com as constituições dos Estados Democráticos de Direito, sobretudo no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, que aparecem previstos mecanismos mais concretos de atendimento ao cidadão.

Em 1948, percebemos que a fundamental Declaração Universal dos Direitos Humanos, no conhecido artigo 19, em que se fala da liberdade de expressão, já expressava de forma contundente a demanda por liberdade, sem interferência. Mais do que apenas a liberdade para expressar opiniões próprias, e mover-se livremente para formulá-las, os indivíduos devem ter a possibilidade de “receber e transmitir informações e ideias”, superando fronteiras.

Meio século após esta mensagem da Organização das Nações Unidas (ONU), com reverberações descontínuas e apropriações múltiplas à nível global, a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade, mais especificamente em seu item 4, reforça o ensejo:

“O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito”.

Enquanto isso o Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos, propriamente no seu artigo 19, diz o seguinte: “Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza”.

Membros e signatários do Pacto Internacional dos Direitos Civis. Em verde escuro temos os países que assinaram e ratificaram. Em verde claro vemos quem assinou, mas não ratificou. Em laranja assinou e ratificou, porém, desejou abandonar o pacto. Por fim, em cinza, são países que não assinaram e, também, não ratificaram. Fonte: Wikimedia Commons, 2013, por Dudeman5685.



Podemos nos voltar, nessa direção, para a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, ocorrida em 2003, mas que entra em vigor dois anos depois. Destacamos esse evento, entre outros, pelo fato de condensar e de intensificar discussões feitas à nível global por cerca de cinco décadas. Mais especificamente, nos artigos 10 e 13 do texto base, condensador dos problemas colocados em pauta, vemos a preocupação com a proteção e garantia dos direitos humanos, além do enfoque direcionado à luta contra a corrupção.

A resolução é bastante clara: “Cada Estado-parte deverá tomar medidas necessárias para aumentar a transparência em sua administração pública”. Além disso, em forma de complemento operacional, já eram previstos, retomando uma discussão de longa data, que as burocracias dos Estados democráticos se lançariam na promoção de “procedimento ou regulamentos que permitam aos membros do público em geral obter (informações) sobre organização, funcionamento e processos decisórios de sua administração públicas”.

A adoção de dispositivos, de legislações e de políticas, ou de mecanismo legais coadnuados a interesses sociais, garantidores do acesso (do direito) à informação é uma das metas da Organização Nações Unidas. Em 2018 foi realizado um levantamento, inscrito no Artigo 19 da ODS, que assevera isto:


“90% da população mundial vive em um país que conta com uma lei ou política de direito à informação; 90 países incluíram especificamente o direito à informação em suas constituições; 118 países adotaram leis gerais de direito à informação; e 46 países adotaram decretos ou políticas públicas em vez de leis para garantir o direito à informação para a população”.



Uma noção importante que acompanha essa movimentação política, que não é apenas institucional: accountability. Ela liga-se, como dito, às Constituições dos Estados democráticos de direito mais contemporâneos, em busca de neutralizar os efeitos perniciosos da Guerra, movimentam-se em uma virada arquivística como forma de (salva)guardar os documentos capazes de evidenciar as ações do Estado, que no caso atentavam aos direitos humanos, entre tantas outras formas de abuso e de violação. Ante essa situação, historicizando a demanda pela accountability, pelo ato de responder/responsabilizar-se, torna-se cada vez mais urgente o direito à informação, condição para o avanço democrático, na medida em que o Estado, a partir dali, presta, até mesmo espontaneamente, satisfação para cidadãs e para cidadãos. Há a obrigação, em última instância, de prestar esclarecimento sobre os seus abusos e os seus erros, inclusive se abrindo para o difícil caminho da reparação.


É importante salientar que a gestão documental surge também, nesse(s) contexto(s). Uma gestão que, diferente da arquivística do século XIX, se torna responsável e que passa a forçar os entes públicos a não apenas compilar e organizar documentos, mas a curar as informações de modo a fazer delas índices de evidência que permitem a responsabilização do Estado por seus atos, sobretudo quando estes envolvem violação aos direitos humanos. Se quer deixar transparente, em forma de espelhamento, a organização interna do Estado voltada ao atendimento às cidadãs e aos cidadãos remetendo às suas práticas.


Esse preâmbulo se faz importe em razão de nos apontar para a virada do acesso à informação. Um marco, nesse movimento, certamente é a LAI americana, a Freedom of Information Act (FOIA). Inspiradora para muitas outras que a sucederão, ela, publicada em 4 de julho de 1966, entrando em vigor no ano seguinte, indica que qualquer pessoa, ou organização civil em geral, pode solicitar, demandar, pedir e acessar dados do governo norte-americano através do pedido de informação.


Lembrando que o FOIA se volta para as instâncias executivas, havendo segmentação departamental no estabelecimento dos critérios para a disponibilização das informações. E cabe ressaltar, além disso, que o federalismo norte-americano flexiona a FOIA regionalmente, não sendo ela aplicada, também, ao Congresso e tribunais federais, além de empresas privadas financiadas pelo Estado. Mas importa dizer que os Estados norte-americanos possuem suas próprias leis de transparência, tornando acessíveis os seus dados quando solicitados pela sociedade. Esse movimento está inserido no centro da montagem dos Estados Democráticos de Direito, prolongando-se com intensidade pela paisagem das décadas de 1990 e de 2000, e inclui a Lei de Acesso à Informação (LAI) brasileira, que este ano completa 11 anos de implementação.


Mesmo que com descontinuidades, a LAI marca um avanço na democratização brasileira, sobretudo ao pensarmos a interação entre o Estado e a sociedade, em que existe, pois, organicidade e transparência (conectividade e interatividade) nas políticas públicas, sendo elas não iniciativas isoladas ou institucionais, mas demandas de caráter marcadamente popular.



Comments


​Contatos

11937544572

  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter

©2023 por Thiago Nicodemo. Todos os direitos reservados.

bottom of page