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Por um Arquivo Digital Público do Estado de São Paulo

  • tnicodemo
  • 18 de jan. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 9 de fev. de 2023


Parte do trabalho cotidiano de preenchimento dos metadados da documentação do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fonte: Wikimedia Commons, 2018.



As linhas que seguem refletem os significados da implementação do Arquivo Público Digital do Estado de São Paulo, no bojo das comemorações dos 130 da instituição. Apresentaremos, aqui, os princípios diretores do projeto de desenvolvimento de um repositório seguro não apenas para os representantes digitais propriamente ditos dos seus ricos acervos e coleções, mas encaminhamentos dialógico-propositivos acerca dos documentos nato-digitais e, também, digitalizado fabricados atualmente no âmbito da administração pública paulista. O desafio do arquivo é o próprio tempo histórico, na medida em que experienciamos uma sensação compartilhada socialmente de instabilidade e de efemeridade, o que faz dos documentos digitais, e nato digitais, preservados certificadores de autenticidade e de integridade enviados para temporalidades futuras. Poucos arquivos no mundo possuem, como o do Estado de São Paulo, os recursos, as ferramentas e treinamento técnico-pedagógico para cumprir essa missão em tela.

Um exemplo significativo do trabalho combinado de digitalização e de disponibilização de acervo, aumentado em grande escala nos últimos anos: o processo em curso de digitalização das mais de dois milhões de fichas do DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social), uma das coleções mais consultadas do APESP. Até o final do processo teremos quatro vezes mais fichas digitalizadas em relação às 300 mil fichas acessíveis atualmente. Também já estão digitalizados 25 mil exemplares do jornal Última Hora. O Arquivo pretende ter, nessa direção, cerca de cinco milhões de documentos digitalizados e disponíveis de múltiplas formas em seu acervo nos próximos meses.


Fotografia do fechamento do restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em 1967, por Adir Méa. Fotografia da Coleção Última Hora, disponível no site do Arquivo Público Digital do Estado de São Paulo


Relatório do DEOPS de 1982 acerca de manifestações em prol da Anistia, parte do acervo da instituição. Disponível no site do Arquivo Público Digital (21-Z-14-14.803)



Nos últimos anos houve aumento em escala de recolhimentos de acervos, alguns deles considerados patrimônio documental da humanidade, como o do Departamento de Obras Públicas (DOP), o do Complexo Hospitalar do Juquery (em processo de recolhimento), o acervo do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), entre outros.


A criação de um Arquivo Público Digital permite, sendo esse o nosso principal argumento e nosso principal ideal, uma agência soberana e estratégica integrada a uma expansão de acervo digital que não necessariamente se reduz à reprodução do arquivo físico, garantindo, assim, uma relação democrática e transparente entre Estado e sociedade, caminho facilitador e emancipador em busca da cidadania plena.

O repositório digital, e público, apresenta-se como a infraestrutura inteligente necessária para a salvaguarda informacional do Estado a partir de princípios gerais fundamentais:

  1. Compartilhamento de dados de forma segura, responsável e transparente;

  2. Regulação;

  3. Promoção de (auto)consciência educativa junto à cidadãos e à cidadãs;

  4. Compromissos comunitários em torno dos dados;

  5. Promoção de ferramentas educativas;

  6. Reprodutibilidade sustentável;

  7. Gestão compartilhada para o bem comum;

  8. Otimização de recursos e de investimentos;

  9. Formas de fiscalização cooperativas, mas a partir de papéis claros;

  10. Fomento da preservação do patrimônio documental do Estado.


Essas ações são postas em prática de modo combinatório, havendo a disposição transdisciplinar como eixo, até mesmo invisível, de organização do saber.


A primeira qualidade do Arquivo Público digital do Estado de São Paulo é a de se portar, e isso tem algo de cultivo, soberanamente. Por isso, de uma maneira ou de outra, ele, ao tratar, curar e gerir os dados dos cidadãos e das cidadãs movimenta-se através de uma perspectiva transparente e democrática, investindo, então, em um diálogo franco com o sentido de comunidade em modo de cooperação cruzada. Este arquivo amplifica, da forma como o imaginamos, o alcance informacional do Estado, além de prover ferramentas para que esse horizonte seja controlado passiva e ativamente. Para tanto, ele se porta como um polo de inovação de treinamento continuado, e também se coloca (auto)avaliativamente com abertura ao diálogo em frentes diversificadas, institucionais e, sobretudo, populares. Investe nas pessoas, sendo um núcleo formativo por excelência.


A sua preocupação é a preservação dos documentos digitais do futuro. Então, isso significa que ele se posiciona como ente certificador, avalizador e autenticador dos documentos que, hoje, nascem digitais, e mesmo aqueles em processo de digitalização. Esse projeto de arquivo se descola do próprio acervo, na medida em que ele vai em direção a uma espécie de expansão, voltando-se para ser um repositório, para uma infraestrutura que garante os valores citados anteriormente. O compromisso do Arquivo Público Digital do Estado é com a preservação, com o patrimônio documental; em última medida com a ideia de memória. Em um horizonte mais amplo, e complementar, está em jogo a salvaguarda de direitos, ou aquilo que é importante para a humanidade em geral.


Mas falemos, disposto esse preâmbulo, em diretrizes e em conceito. Porque o repositório não se resume a uma tecnologia específica, mas, sim, a um conjunto de estratégias que funcionam através de camadas que se somam, mas não justapostas. De forma sintética: preservar e disponibilizar o acervo de forma estratégica, inteligente e o mais responsável possível. Isso não é de somenos importância, posto que existem acervos com alto grau de sensibilidade. Em razão de clivagens como essa, mas não só, devemos criar núcleos que realizam uma espécie de compactação do material disponível, sendo o princípio elementar deste arquivo, o que não deixa de ser o antigo gesto arquivístico da reunião e da organização. Se advoga, nessa direção, que as distintas modalidades de documentos disponíveis necessitam ser orientadas por eixos de preservação digital em repositórios arquivísticos. Um repositório confiável, movimentador até mais do que documentos digitalizados, ou nato digitais, em si, mas movimentador de bases de dados, que são capazes, no limite, de facilitar a emissão de certificação, que tem a ver com autenticidade, sendo, então, uma gestual que implica a virtude da confiabilidade.


Este modelo de arquivo que deseja, através das suas camadas, firmar o compromisso de fornecer uma política de acesso à informação de modo intuito e mais fácil possível, o que não significa trabalhar com uma ideia que se aproxima do simplório, dado que essa disposição é de orientação complexa. Esse desejo, longe de uma realidade pronta, e também distante de uma iniciativa protagonista, se realizará à médio e longo prazo colaborativamente. O que estamos laçando? É uma porta única, aglutinadora, de acesso.

Um sistema, modulado por um dispositivo, um software, mundialmente reconhecido em arquivística digital chamado ATOM: grande editor coletivo de docs


Página de navegação do ICA-AtoM do Arquivo Público do Estado de São Paulo.


A ideia de preservação que acompanha o projeto é assimilada em sentido lato sensu. Associamos o predicado digital. A preservação digital apresenta-se, nesse processo, como conjunto de estratégias confluente visando formas confiáveis de certificação, seja de docs. nato digitais, os que são nascidos em ambiente virtual, seja os docs. que são digitalizados a partir dos nossos acervos e coleções. E, também, aqueles que estão em outros lugares, em outros formatos, mas que desejamos, por necessidade, digitalizar. Um repositório seguro garante a preservação digital, permitindo que o arquivo seja uma certificação responsável, além de pressupor uma estabilidade arquivística que cruza temporalidades, mesmo que destacando que esse envio ao futuro está condicionando à historicidade do processo de arquivamento inscrito no próprio presente.


Em outras palavras: num mundo em que tudo mundo, em que o efêmero se naturaliza, na radicalização da modernidade, o arquivo público se coloca como uma entidade permanente. A mudança de estratégias tem, nessa adaptação ao contemporâneo, a preocupação de fazer dos documentos em custódia garantidos em estado de custódia com validação; que continuem existindo podendo comprovar direitos por trás dessa gestual, que implica no fortalecimento da democracia em temporalidades pluriversais. Existe toda uma lógica democrática implícita, porque é um arquivo estatal e que tem, necessariamente, que salvaguardar as suas atividades. Essa funcionalidade está atrelada com a responsabilidade, com a transparência, evidenciando o que o Estado produziu, o que ele fez. E essa salvaguarda movimenta-se em longa duração sustentavelmente.


Também se faz necessário que esse mesmo repositório ofereça soluções burocráticas para órgãos e para entidades em geral. O arquivo tem a virtude de se portar como capsula do tempo. No futuro saberão que o arquivo existe, acionando a importante noção de reparação em sentido retrospectivo. A preservação digital permite, assim sendo, a curadoria dos processos, e isso se estabelece a partir da transparência e do estabelecimento de procedimentos que o plano de ação e das próprias políticas e diretrizes. Essa historicidade inscrita no processo de arquivamento, própria do nosso presente, também se descolará de nossa temporalidade majoritária. E as diretrizes que atravessam o processo de digitalização devem ser sempre renovadas, demostrando a clareza dos procedimentos, além de permitir a importante noção de auditibilidade. Em suma, o arquivo sempre certifica o que está aqui; o que se consubstancia no presente.


Outra diretriz importante seria aquela relacionada ao cruzamento, à inteligência de dados. Por isso um princípio básico de um grande repositório são nomes e dados fundamentais, princípios basilares de caráter informacional, posto que geolocalizador. Quais, então, as formas de preservação, bem como as suas ações específicas? O que deve ser, necessariamente, preservado? A primeira coisa que deve ser preservada são os documentos históricos que perecem, ou que estão em estado de perecimento. Principalmente se forem de papel estarão sempre em estado de degradação. Existe, ainda, os que foram mal acondicionados ou mal conservados ao longo do tempo, estando, também, em fase de perecimento.


Essa situação leva, de uma maneira ou de outra, a necessidade de se transplantar uma informação para outro suporte. Isso demanda, não de outro modo, a autenticação desse outro suporte. É como se algo se torna-se obsoleto, mas reivindicasse atualização. E claro: ninguém vai descartar um documento original. Por outro lado, do original se pode recriar uma espécie de representante autenticável (virtude da confiabilidade), mas independentemente da existência daquele mesmo original. Isso é uma sinalização para o futuro. Um futuro não contável cronologicamente, mas não infinito em sentido literal, mas na franca direção de que não se pode quantificar.


Outras coleções documentais, diante dessa iniciativa de acesso sistêmico, são as relativas à imigração. O que resgata até certo afã genealógico, o que implica questões propriamente identitárias. O que está colocado como problema é, em todo caso, a da conservação avançada de documentos que são muito acessados. A lógica implícita é, de qualquer maneira, a certificação de direitos. Vejam o nosso caso: boa parte das nossas coleções, os documentos mais acessados, certificam direitos, colocando-se como direito de memória, como desafio de reparação, da luta pela justa memória.

Capa da entrada de passageiros do vapor Caffaro no porto de Santos, em 1896. Disponível no site do Arquivo Público Digital do Estado de São Paulo.


Por isso a qualificação do arquivo digital como soberano. As coisas precisam estar aqui, estrategicamente, porque envolvem direitos; envolvem a necessidade de o Estado responder pelos seus atos e por suas práticas. Se não puder existir esse movimento certificador, a existência do arquivo não ganha sentido. Quer dizer, certificar uma coisa que não necessariamente corre o risco de perecer, mas que é muito acessada, porque, normalmente, ela suscita direitos. O maior eixo de ação do Arquivo digital público do Estado de São Paulo é fazer o digital tornar-se certificável. Para isso a preservação do suporte original em longa duração; o representante digital possui, então, certificação.


Mas temos que falar, também, do patrimônio nato digital. Os Estados estão se digitalizando, como do caso de São Paulo. Por isso o Arquivo Público digital se apresentaria como repositório privilegiado da documentação pública, que, no caso, já nasce digital. O arquivo paulista, nesse sentido, se preparou. Há anos desenvolve um sistema de gestão de documentos que seja aderente à políticas arquivísticas de vanguarda, de modo a agir no limite da transdisciplinaridade. Para que isso aconteça, o empoderamento, em um movimento de gestão compartilhada e democrática, das pessoas envolvidas se faz necessário. As sessões do Arquivo estão preparadas, em todo caso, para a aplicação inteligente dos parâmetros, ou automatizar esses parâmetros quando for o caso. Esse é o papel da moderna gestão arquivística, a qual partilhamos do seu ideal.


Falamos em massa documental ligadas a sistemas centralizados ou aderentes à políticas arquivísticas. Por isso o investimento nas bases de dados. Elas preservam o caráter situacional dos documentos em perspectiva histórica, que, também, avança em sentido jurídico. Por isso, combinamos digitalização com salvaguarda, o que resulta em patrimônio. Grandes massas documentais podem, mesmo estando em outros lugares, ser acolhidas pelo Arquivo Público Digital do Estado de São Paulo. Assim serão submetidos a um procedimento orientado de custódia e a sua longevidade garantida.

Uma de nossas maiores preocupações é, até mesmo em sentido social, a recolha e salvaguarda de documentos considerados sensíveis, posto que abrem a janela cogente para que direitos humanos sejam garantidos, dado que certificados. São autenticadores de processos sociais. Podemos pensar nos documentos de Juquery, do DEOPS, do

Departamento de Obras Públicas, dos relacionados à hanseníase, entre outros. Mas, também, documentações em geral do governo de São Paulo merecem passar pela certificação digital, pois indicariam o compromisso democrático do Estado, abrindo-se dialogicamente para interpelações sociais futuras. Acionamos, para todos os casos, a importante noção de curadoria.


O Arquivo Público Digital do Estado de São Paulo trabalha nos canteiros em prol dos direitos humanos, da luta em geral por direitos, condição para um pacto soberano e para a cidadania em expansão. Um arquivo desse porte indica um Estado responsável, ou melhor, que se coloca na posição de responsabilidade, movendo-se, se necessário, pelas lides da restituição e da reparação. A noção, mais uma vez, de justa memória se absolutamente presente em nosso projeto.

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